terça-feira, 1 de março de 2011

Vozes


            Estou aqui para gritar o rancor e o desespero das dores que sofremos. Nas ânsias de um alguém que, ao olhar no espelho encontra-se como uma velha doentia de face angustiada por membros de um orbe superior. Membros tão poderosos que, não sei ao certo, invadiram as dimensões infinitas da arquitetura inconsciente.
            Tudo ia calmo naquela noite. A jovem criança de seis, não, sete anos, brincava frente à lareira de sua enorme casa. Sua mãe, de muitos anos em suas costas, estava próxima, parada frente ao relógio, escutando a chuva que tão forte caía. Lembro-me bem de seu xale sobre as costas, detalhado à sua mão. Mãe e criança em casa, buscando o nada do ser que tão humildemente se sentia nos ventos que sopravam lá fora. Noite triste e monótona aquela, como tantas outras.
            A velha, pois, já cansada na espera de seu marido, conduz a criança ao quarto, frente ao seu. Ela sorri, enquanto a menina cuidava tão carinhosamente de seu pequeno urso. Urso este que seu pai havia lhe presenteado antes de sair de casa para trabalhar. Sim, ele era ferreiro, o melhor da cidade.
            Voltemos, pois, àquela senhora, ela agora dorme, já é tarde. No entanto, a menina levanta-se, desce as escadas e torna frente à lareira. Agora não brinca com seu mais recente presente... Ela está parada, olhando fixamente seu amiguinho, ele andava distante e justamente ali, resolve aparecer para conversar. Entre brincadeiras e carícias, ele sugere de os dois irem embora, para um lugar longe e desconhecido. Ela sente segurança nos olhos daquele que muitas vezes, tarde da noite dividia uma atenção especial para com aquela criança. A menina deixa o urso e segue-o. “não entendo Dimitri, você disse que íamos brincar lá fora, por que então, estamos voltando ao nosso quarto?”, pergunta. Ele com a face meiga, de uma beleza nunca dantes vista comenta: “Pequena criança, nós vamos embora sim, vamos juntos, mas para isso necessitamos estar no seu quarto”.
            Entram no quarto, e ela feliz vai dentre suas roupas procurar o presente que ele havia lhe dado há muito tempo. Queria mostrar a ele, o zelo que tinha para com aquele objeto. Sempre sorridente, aquela menina acha o que tanto procura, era uma lâmina, linda e translúcida... Ela, pois, sem mais perguntas, num rito de alegria, inicia a partida, que seu amigo tanto pedia. Ele não se encontrava mais ali. Para onde foi? Não sei.
            A criança sorrindo, começa a cortar-se, estava sim feliz, via em seus olhos cada corte no corpo, motivo de mais alegria. O sangue escorria em sua roupa. A sensação extasiante que ela sentia ao lançar em seu corpo aquele delicado presente era da mais pura inocência.

            Agora, pois, ela sente-se como uma velha, percebeu que seu amigo havia partido mais uma vez, deixando-a. Seus braços sangravam muito, os gemidos ao seu redor eram ensurdecedores. Sim, a paredes urravam vendo tal cena. Desespero resolve visitá-la. 
            Sonolenta e Sozinha naquele quarto lembrou-se de seu urso e, num ato de desespero, cai em si. Agora, não mais calma, arrepende-se do feito. Porém era tarde demais. Estava morta. E foi assim, o silêncio corroeu por dias naquela cidade. Seus pais? Caíram em profunda tristeza, partindo para a nova morada de sua tão amada filha. O xale? Está sob os ombros da menina agora. E o nosso amiguinho? Nunca existiu.



sábado, 5 de fevereiro de 2011

Alter


     As onze e cinquenta e nove da anacronia, o meu peito encontrava-se dilacerado por coelhos e coiotes. Os sussurros gritaram a dor que tudo corroia. O medo dominava as linhas cinza e vermelhas do corpo. Linhas estas, que mostravam o quão idiota são meus pensamentos e quão poderosos podem ser.
     Seguidos de regras, conceitos, predefinições e tarjas, que encadeavam a rubra caixa imaginária, segurada por espíritos, demônios e anjos que lutam em resistência definitiva, viajavam nas dimensões ocultas estelares, aclamando a dor angelical (sim, angelical) esquecidas nas facas escondidas na pelúcia miserável das medíocres massas.
     Os dias passam, as faixas estão mais escuras como nunca dantes vistas, refletindo as marcas do horizonte fixado com a translúcida brilhante.
     A direção não gritou mais; o norte se foi; o sul explodiu; o este não existe e o oeste não se vê.
     No meio daquelas bolas prensadas mediocremente em busca do nada, a virtú grita do silêncio.
     Orgasmos de dor deturpam os gritos que cortam as asas daquele que não nasceu, perdendo-se na torrência do superior.
     E próxima àquela auréola de gesso mostrou-se a inocência e o despreparo de individuais, que na volta do desencontro chocaram as lágrimas. A terra grita com a lentidão deles: pequenos e rápidos, férteis e nocivos que bradavam o nada do ser e o completo do todo.
     Melodias de Pandora viajaram por aí, enquanto o choro ouvia ao lado.



     Lembra-te agora, da bola febril e desprezas a vida que ela te mostra, tão sutil e deprimente.
     Porque para elas, as ondas negras, risos ainda cogitam em acontecer.
     Penetrado pela trava da irônica dúvida, viajo a outra dimensão ansiosa.
     Tons de tinta trilharam o teu caminho até quase desaparecerem completamente. E eis que voltam num regurgito doentio e viciante.
     Passeiam rapidamente pelas cores da memória, manchando as paredes do pensamento azul.
     O noventa graus era a dor mais desagradável existente do embora.
     Fios de cobre cantaram tons agudos, e afogaram o timbre de um estranho saber, um saber psicodélico.
     A vontade era por um fim nas calotas ridículas, porém muitas vezes sinceras daquela criatura. Você, sim, você Deivide era a criatura.
     Conexões agora estão desgastadas pelos monstros verdes de Aragon que voavam fixos na grama.
     O temível holocausto das criações toma mais um rumo desconhecido e impenetrante.
     O metal prata continua olhando para mim. Pobres cachorrinhos.
     Quando ela não quiser parar o prazer se unirá ao gozo e assim cairão e as penas sumirão, porque esse grito vale sim muito a pena, à pena da dor e da justiça.
     E assim, a boneca que tão firmemente segura o machado, assassinará a vovó, destruindo todas as ridículas e decadentes máscaras, de um salto jamais remediado no tempo e bailando em doloridos inchaços.
     Pois assim, o bizarro se altera e o normal se enaltece, e a boca costurada fica aos cantos da parede esperando a língua e cabeças do outro pertinente infantil à inocência.
     E quando o íris-arco desaparecer, as cores poderão saltar aos olhos negros e sedutores da luz apagada.
     Contam de três, ela ficará de fora e a pedrinha do rio caminhará sobre as cabeças indiferentes que cantam pro nada.
     Pois enfim, sem voz, este sempre será o grito dos inacabados espetáculos desesperados, de lobos famintos por carne dilacerada, aos olhos de quem vê.